domingo, 4 de janeiro de 2009

relicário da boa poesia (amigo Hélio Crisanto)



josé alberto costa




Usuário da internet há mais de dez anos, sou um internauta do bem. Através dela trabalho, leio jornais, livros, revistas, estudo, me divirto e faço amizade importantes, algumas delas até já deixaram de ser virtuais passando para o campo da realidade. Com esses amigos muito tenho aprendido, especialmente, depois que me tornei também um orkuteiro. Recentemente, respondendo a provocação (em versos) de uma amiga, fiz esta sextinha falando sobre essa grande rede mundial:

“Parece até alquimia
Essa importante invenção
Que aproxima as pessoas
Trazendo satisfação,
Amigos que nunca vi
“Vivem no meu coração”.

Um desses amigos é Hélio Crisanto. Nunca nos encontramos, mas pela intimidade que desenvolvemos através do bate-papo via MSN, parecemos vizinhos, daqueles de antigamente que se encontravam todas as noites para conversar por cima do muro do jardim, enquanto as crianças brincavam na calçada e as mulheres viam novelas.
Nossos primeiros contatos datam de uns três anos quando éramos participantes ativos das comunidades de poesia de Cordel do Orkut. Desiludidos pelo descaso como essas comunidade passaram a ser tratadas pelos seus “donos e moderadores”, ante o desvirtuamento de seus objetivos e ainda pelas agressões gratuitas, partidas de indivíduos que não estavam preparados para utilizar a Internet, essa ferramenta civilizada que aproxima os povos e encurta distâncias, desistimos. Hoje varamos as noites trocando versos, enquanto conversamos pelo teclado como velhos amigos.
Agora, Hélio me pede para escrever alguma coisa sobre a sua poesia, para inserção no livro Retrato Sertaneja, a ser lançado brevimente. Conheço o trabalho que ele vem fazendo que é de primeira linha e deve ser publicado para que os seus versos sejam preservados e não se percam na poeira do tempo, como tem acontecido com tantos portas bons.
A veia poética do meu amigo aflorou ainda muito cedo e vem se aprimorando cada vez mais, mostrando que sua criação nada tem de repetitiva, a não ser quando fala das saudades da vida no campo, como nesta décima maravilhosa:

Uma velha carroça abandonada
A palhoça que era o meu banheiro
As galinhas ciscando no terreiro
O carro de boi numa latada
No alpendre, a minha rede armada
Tudo isso recordo com saudade
Hoje vivo no luxo da cidade
Mas não deixo de lado o meu torrão
Na janela do velho casarão
Vejo o filme da minha mocidade

Seu pai, hoje aos 77 anos, foi o responsável pelo desenvolvimento do gosto do filho pela poesia popular. “Ele sentava numa rede e recitava versos de cordel pra gente, sem saber o bem que estava me fazendo”, diz Hélio, orgulhoso do pai, homem de uma memória privilegiada. A partir daí, o menino Hélio passava horas na feira, sob o sol causticante, ouvindo violeiros cantadores e emboladores de coco. Nascia ai um poeta que hoje faz apresentações em eventos culturais em teatros, colégios e clubes, participa de festivais de violeiros como cordelista, apresentando seus versos de extraordinária beleza, acompanhado do inseparável violão, pois ele entende que a poesia e a música nasceram juntas e assim devem permanecer.
Esse menino-poeta nascido num sítio nordestino, conhecendo as dificuldades causadas pela ascassez de água, apesar de viver hoje na cidade – Santa Cruz (RN) -, não esquece a dureza que enfrentou no início da vida. Diz com simplicidade: “Ainda hoje tenho um ombro mais baixo que o outro, de tanto carregar água pra família sobreviver”.
Como inspiração criador de motes para versos de Cordel, produziu esta pérola, cantando o drama de sua gente:
“No rachão da lagoa esturricada
Vejo um grilo cantando pra chover”.
E ele próprio compôs esta décima que é um brado de alerta do sertanejo, do nordestino, contra o descaso das autoridades (in)completa:

A barbárie da seca causa espanto
Gado morto, crianças moribundas.
As cacimbas sem água, já profundas,
Urubus revoando em cada canto
Sertanejo sofrido verte o pranto
Esquecido, sem ter o que comer
Não desiste da luta e quer vencer
As mazelas da vida flagelada
No rachão da lagoa esturricada
Vejo um grilo cantando pra chover.

Embora jovem, o poeta aconselha os de sua geração, baseado em observações feitas ao longo da vida, quando canta em tom de advertência:

Quem levou uma vida desregrada
Nos prazeres do fumo e da cachaça
Esnobando do tempo com pirraça
Se envolvendo com jogo e com noitada
Quem um dia viveu nessa cilada
Confundido prazer com liberdade
Foi escravo da vida e na verdade
Jogou fora, em vão, cada momento
A velhice é quem faz o pagamento
Dos prazeres banais da mocidade.

Assim é Retrato Sertanejo, um livro que vai marcar época, registrando a simplicidade e a inteligência de um jovem poeta potiguar que faz dos versos de Cordel a sua razão de viver, a sua bandeira de luta pela preservação da cultura popular do nordeste, que não deve ficar circunscrita apenas ao divertimento de turistas ocasionais.
Conheço bem a poesia de Hélio Crisanto e por isso recomendo o seu livro que, embora esteja limitado a uma edição modesta, dentro das possibilidades do autor, deve ser lido por todos aqueles que se interessam pela boa literatura nordestina.

[José Alberto Costa é jornalista, aprendiz de poeta e membro da Academia Maceioense de letras.]

Esse relicário se encontra no livro do meu grande amigo Hélio Crisanto chamado Retrato Sertanejo

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Composições

  • bom é louvar ao senhor-parceria:Jofran das Chagas
  • Vem logo me amar
  • Mas eu quero você
  • Dobrado Francisco de Assim (instrumental)
  • A beleza é te amar
  • Edmara no Frevo (instrumental)
  • Minha flautinha (instrumental)
  • Desejo você pra mim-parceria:Jofran das Chagas
  • Desejar você-parceria:Jofran das Chagas
  • Tu és meu senhor
  • Vem pra mim
  • Nosso Amor-parceria:Evanize Mirelle
  • Mãe... -parceria:Amanda Fabrícia
  • Mas eu quero você
  • Solidão -parceria: Emylle Sinara